31/08/07

Desfeito em silêncio

...



O pequeno texto que se segue começou a escrever-se um dia antes. Estás lá, deitada sobre a cama, à espera que te aconchegue nos meus braços. Repetimos esse momento noite após noite, onze anos seguidos. Onze anos de aconchego. De conforto. De alegria, sóbria, contida, porque nem tu nem eu gostamos de excessos. Vou desligar o computador, há algo de errado com o texto. Se calhar amanhã apago-o. Sento-me ao teu lado e ficamos ambos a olhar para o escuro. Não me pareces mais triste. Não te queixas. Mas o texto...

Durante uns instantes, por muitas e nenhumas razões, este espaço calou-se. Atravessou a sua primeira grande crise existencial. Questionou-se com amargura se devia continuar. Levantou dúvidas sobre a sua própria utilidade. Caiu em apatia e indiferença, mas, por fim, ergueu-se para se desfazer em silêncio. Em silêncio reflectiu: o que poderia torná-lo diferente dos outros milhares que antes e depois dele nasceram? Só na diferença se revia, mesmo que apenas se satisfizesse a si próprio. Curiosamente, não a encontrou no seu propósito, a música. Encontrou-a nos que o inspiram, e descobriu que, afinal, eram eles que o tornava diferente. Eram eles a sua razão de existir. Aqueles seres específicos, não outros, não aqueles que não conhece. E assim volta a respirar. Em silêncio.

Era um prenúncio, não precisas de mo mostrar. Eu é que me desfiz em silêncio. Resolveste também calar-te. Nunca tiraste os olhos de mim, mesmo que os tivesses fechados. Vais mantê-los fechados, eu sei, mas não os tires de mim.

Regresso à música uns dias mais tarde. Ouço, sem ouvir, dezenas de músicas já ouvidas. Perderam-me o significado. Não consigo alcançá-las. Não me passam sequer ao lado. Estão todas distantes. Todas, excepto uma.

If I was young, I'd flee this town

I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight

Far from home, elephant gun
Let's take them down one by one
We'll lay it down, it's not been found, it's not around

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the night
And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the silence, all that is left is all that i hide



Inexplicavelmente, sorrio ao ouvi-la. Repito e repito. Atento na letra. Não é assim tão mau, o silêncio. Repito. Recordo-te apenas no que me devo recordar. Nos dias anteriores ao dia em que o pequeno texto começou a escrever-se.